Giowana Cambrone Araújo é mineira, mas mora no Rio de Janeiro há quase três anos. É advogada, 34 anos, casada, com pós-graduação em Gestão Cultural (FOGA – Espanha), Direito Constitucional (UGF) e Democracia Participativa (UFMG). Atualmente cursa o mestrado no PPFH-UERJ.
Como mulher (transexual), Giowana é pessoa engajada na luta pelos direitos humanos e milita na Rede Sustentabilidade. Adepta do Candomblé, ela apoia Marina Silva para presidente e diz que “a maior inovação do programa [de Marina] é colocar a pessoa trans [travestis e transexuais] como grupo mais vulnerável, invisibilizado e sujeito a violências e exclusão”.
Abaixo, leia a íntegra da entrevista.
A REDE é um partido aberto para a agenda LGBT? Como se dá hoje a relação entre os coletivos LGBT da REDE, PPS e PSB?
Giowana: A Rede Sustentabilidade é um partido plural que traz em seus princípios o respeito pela diversidade humana. Tanto é que o Congresso Estadual da Rede/RJ aprovou por aclamação uma carta de princípios e compromissos do partido com a diversidade sexual, inserindo compromissos com a agenda de demandas da população LGBT. Posteriormente, esta foi ratificada e aprovada pelo Elo de Dirigentes Nacionais como material de estudo e orientação.
As representações dos coletivos LGBT dos partidos que compõem a coligação se aproximaram durante a campanha. Felizmente é composto por pessoas preocupadas com o coletivo e a relação se dá pelo respeito à diversidade e troca de ideias salutares ao processo democrático.
Então o que aconteceu com o programa de governo de Marina Silva no capítulo sobre direitos da população LGBT? Qual o seu papel na construção desse capítulo?
Giowana: Participei junto com o representante do PSB (LGBT Socialista) da apresentação de propostas de movimentos sociais com a temática LGBT. Fui responsável pela condensação de um documento final de apresentação de propostas para este tema. Lá no início das convenções estaduais e seminários temáticos para a construção do programa de campanha estavam previstossó 5 eixos programáticos, no entanto, pelas demandas acumuladas, os coordenadores de programa, Neca Setúbal e Maurício Rands, acharam por bem a criação de um capítulo específico como Eixo nº 6, com o tema “Cidadania e Identidades”. Foi um avanço em relação a todas as propostas de candidatos.
Quando apresentamos as nossas propostas, saímos da reunião cientes de que na mediação que ainda haveria de ser feita para redação final, nem todas as proposições seriam contempladas. Isso é uma característica do processo democrático, da construção de um consenso progressivo. Infelizmente, por uma falha,o programa foi apresentado ao público e divulgado com todas as nossas propostas, “ipsliteris”, tal como havíamos feito, sem as mediações encampadas pelo conjunto da coligação.
Esse erro levou a revisão (a tal errata) e ao mal estar com a comunidade LGBT, agravada tanto pelos opositores, quanto pelos defensores da população LGBT.
Apesar da mudança, que pode não representar as reivindicações mais fortes do movimento social,ainda é o programa mais abrangente, pois aborda as questões dos direitos oriundo da união civil, o compromisso de combate a homofobia, e prevê atenção especial às necessidades de pessoas trans como o respeito a identidade de gênero, qualificação do atendimento em saúde pelo SUS às demandas mais específicas da comunidade e oportunizaçãode capacitação profissional para o mercado de trabalho.
Depois daquele sábado, 30 de agosto, você não tem feito campanha para Marina Silva. Mudou seu voto?
Giowana: Nem mudei meu voto, nem deixei de participar da campanha. Apenas naquele momento inicial senti necessidade de me afastar porque a imprensa e oposição estavam “marcando forte” naquelas pessoas que participaram da construção do programa. Procuravam quaisquer coisas que pudessem explorar negativamente. A oposição bateu muito forte, espalhando boatos.
Se dissesse em uma rede social “estou triste”, não importava com o que, para as pessoas era com Marina Silva. Não compartilho dessa política suja que a oposição vem fazendo, e nós, da Rede Sustentabilidade, acreditamos na cultura de paz. Achei preferível atuar na campanha de outra maneira. Na troca de ideias e no debate saudável, do que entrar numa guerrilha suja de acusações e especulações.
No campo dos direitos LGBT, a Marina Silva é a melhor candidata entre os três mais fortes nas pesquisas eleitorais? O que você destaca no programa de governo dela nesta área?
Giowana: De todos os candidatos, acredito que o programa de governo do candidato Eduardo Jorge (PV) é o que melhor satisfaz a agenda posta pelo movimento LGBT. No entanto, o programa de governo apresentado por Marina Silva com esta temática é o mais abrangente e traz demandas esquecidas por setores do movimento LGBT como, por exemplo, políticas para a saúde e a ampliação da oferta de demandas específicas desta população. E isto vai desde a ampliação de ações de combate e prevenção de DSTs/Aids, que teve orçamento reduzido na ultima gestão até a ampliação do atendimento dos programas de saúde de pessoas transexuais.
Acho que a maior inovação do programa é colocar a pessoa trans como grupo mais vulnerável, invisibilizado e sujeito à violências e exclusão.
Os doze anos de governo petista não foram favoráveis às políticas LGBT? Dilma tem o apoio majoritário do movimento LGBT brasileiro?
Giowana: Nesses doze anos, o governo do PT cooptou grandes lideranças do movimento social trazendo-os para dentro do governo. Esse movimento, que inicialmente até pode ter sido bem intencionado, na prática precarizou os movimentos sociais, deslocando-os de sua natureza que é reinvindicação e contraposição ao governo. Vemos em secretarias do governo petista e em conselhos, diversas dessas lideranças que passam a simplesmente validar e legitimar as ações do governo.
Além disso, o governo Dilma antagonizou momentos emblemáticos de lutas LGBTs, como a retirada do material de combate à homofobia nas escolas, o não posicionamento diante da discussão da legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo decidido pelo STF e a orientação para o apensamento do PL 122 que criminaliza a homofobia à morosa Reforma do Código Penal. Este governo petista curvou-se a bancada fundamentalista em prol de uma governabilidade.
A população LGBT é diversa é plural, e o voto ainda muito disperso. Não acredito que Dilma receba o apoio majoritário da população LGBT, mas talvez tenha seus mais aguerridos e “interessados” defensores.
Você apoia Jean Wyllys (PSOL) para deputado federal. Ele é um crítico de Marina Silva. Como lida com essa questão?
Giowana: Não é porque eu apoio politicamente alguém que este apoio se transforma em algo incondicional. Há pontos — tanto do Jean Wyllys, como da Marina Silva — que concordo e apoio, há outros pontos que discordo. A minha escolha de voto é crítica e sem fanatismos partidaristas ou messiânicos. Meu voto no Jean Wyllys é pela relevância do trabalho que faz em defesa dos direitos humanos e de populações mais excluídas socialmente. No fundo, excluídas as divergências, acho Marina Silva e Jean Wyllys muito parecidos: ambos são agentes de uma nova visão políticavoltada para o coletivo.
Você gravou vídeo para a campanha “Rio sem Preconceito” (campanha de carnaval), uma iniciativa do Coordenador da CEDS-Rio, Carlos Tufvesson, que é do governo Eduardo Paes (PMDB). Você apoiou Freixo (PSOL) em 2012, isso não é contraditório?
Giowana: Contraditório por quê? Na campanha de 2012 apoiei Marcelo Freixo do PSOL para prefeito do Rio de Janeiro, pelo seu histórico de lutas em favor dos direitos humanos e porque acredito que naquele momento ele tinha as melhores propostas para gerir a cidade. No entanto, não foi o que a maioria considerou, dando a vitória a Eduardo Paes, de quem não concordo com diversas políticas. Mas eu não sou cega, e nem serei omissa. Não vou deixar de participar de ações que considero que são positivas como uma campanha de prevenção a DSTs/Aids.Tufvesson é amigo e aliado de nossa luta, ainda que o governo do PMDB possa ter lá seus equívocos.
A agenda LGBT está para além dos partidos políticos? A direita não seria claramente homofóbica?
Giowana: A agenda LGBT diz respeito ao ser humano, portanto, é suprapartidária. O arco íris está para além da direita e da esquerda, está no dia a dia, está na vida. O que acontece é que os partidos políticos são formados por pessoas, pessoas que são atravessadas por valores e também preconceitos. Salvo algumas exceções de partidos radicais, há pessoas favoráveis e contra as demandas LGBT dos dois lados da díade direita e esquerda. Já vi vários partidos e movimentos ditos de esquerda, priorizarem a discussão e pauta econômica e da luta de classes, considerando as questões humanas como questões de segunda ordem. E há gestões e propostas de partidos de direita que são favoráveis as demandas da população LGBT.
Mesmo sendo você de candomblé, não teme uma presidenta evangélica?
Giowana: De forma alguma. Isso seria preconceito reverso, responder uma atitude de preconceito com outro é para gente ignorante.